domingo, 5 de agosto de 2012

Tic Tac

Tic Tac, passa segundo, passa minuto, passa hora.
Tic Tac, vai pra frente o relógio.
Tic Tac, passa dia, passa ano, passa a vida. 
No Tic Tac dos dias, cada um acha que a vida vai pra frente, junto com o relógio. A criança cresce, o jovem vira adulto, o adulto envelhece.
A vida passa, mas as pessoas esquecem de passar junto com ela. 
A maioria das vidas é marcada por um Tic Tic do qual ninguém consegue fugir. A mesma escola desde o maternal, o mesmo ciclo de amigos desde que se aprende a falar, o almoço feito no mesmo restaurante que se frequentava com os pais e avós, as mesmas viagens pros mesmos lugares desde que se aprende a andar, o mesmo emprego desde que deixam de estudar... 
Enquanto o relógio faz Tic Tac, e o mundo muda a uma velocidade incrível, o Tic Tic não nos permite dispensar o conforto da rotina e acompanhar o Tic Tac alucinante que deveria marcar a vida de cada um. Crescer devia ser um caleidoscópio de novas experiências, e não o transitar entre as etapas demarcadas pela sociedade : escola, emprego, aposentadoria, morte. 
Ver o mundo, conhecer novas pessoas, novas culturas, aprender novos idiomas, novos ofícios, saber um pouco sobre engenharia, um pouco sobre direito e um pouco sobre medicina, ajudar o próximo, experimentar sabores diferentes. 
Tic Tac é passar junto com a vida, não apenas olhar o relógio e pensar a próxima tarefa a ser feita. 

segunda-feira, 9 de julho de 2012

doentes terminais


existe um momento de negação. existe um momento de raiva. existe um momento de barganha. existe um momento de depressão. e por fim, existe um momento de aceitação.

idiota aquele que acha que só passam por isso os condenados por doenças terminais, os que não tem salvação. esquecem-se de que a vida por si só é uma doença terminal. a cada dia, o corpo morre um pouco, a mente morre um pouco, a alma morre um pouco. cada dia vivido é um passo na direção do fim. assim sendo, todos somos terminais. vivemos todos saltando entre os cinco estágios que compõe essa doença da vida. 

enquanto se é criança, a negação é vista com bons olhos. tirar a roupa em público, riscar as paredes do consultório médico, jogar comida pela cozinha, falar o que achamos das pessoas, e dizer exatamente o que queremos. a negação dos padrões estabelecidos como corretos pra nossa vida são vistos como falta de conhecimento, sendo, portanto, aceitáveis.

enquanto se é pré-adolescente, a raiva é vista com bons olhos. gritar com pais, desrespeitar o professor, agredir o colega verbal ou fisicamente, tingir o cabelo e furar todas as partes do corpo. a raiva demonstrada diante da imposição de padrões é vista como falta de costume, sendo, portanto, aceitáveis.

enquanto se é jovem, a barganha é vista com bons olhos. estagiar e ir pra faculdade mostrando seriedade, mas perder finais de semana inteiros bêbados ou fumando, realizar projetos e pesquisas na faculdade, mas poder perder noites inteiras na balada, beijando trinta numa noite. a barganha que permite oscilação entre aceitar e negar completamente os padrões estabelecidos é visto como uma transição, sendo, portanto, aceitável.

enquanto se é adulto, a depressão é vista com bons olhos. reclamar constantemente do salário, do emprego, do chefe, dos filhos, dos sogros, da família, do vizinho, ter vontade de largar tudo, sentir-se sem ânimo diante da vida. a depressão diante do que nos é imposto é vista como resultado de má administração de nossas vidas, sendo, portanto, aceitável.

no fim da vida, a aceitação chega, caminhando a passos lentos. pessoas que veem suas vidas acabando, aceitam quem são, aceitam quem os outros são, aceitam que fizeram o melhor que podiam, e entendem que os que iniciam a caminhada agora tem muito o que aprender. quem chega na fase da aceitação, aproveita a vida da forma que pode, conhece pessoas, conhece lugares, gasta o dinheiro, e se liberta dos padrões estabelecidos.

aceitar é se sentir bem consigo mesmo, independente de qualquer padrão aprendido durante a vida.

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

veneno da vez: sinestesia

Olha pro lado. Conta as pessoas na sala. Fecha os olhos. Respira fundo. Sente a adrenalina correndo no corpo. Assiste os pensamentos lutando entre si. Sente o conforto da camisa de algodão, da calça jeans. Sente cada veia do corpo pulsar. O metal frio da mesa contra a perna. A dureza da madeira da cadeira. Sente a maciez da folha da prova. Ouve o barulho do relógio. Se concentra nos passos da aplicadora. Na respiração da menina da frente. Sente o lápis apertado contra os nós dos dedos. Sente a brisa vinda da janela. Ouve os pingos da chuva contra o concreto. Ouve o barulho do lápis cortando o papel. Sente a textura da borracha. Bate os calcanhares no chão, sente o impacto leve. Sente o joelho vibrar com o movimento. Passa a mão na nuca. Aperta. Se concentra na pressão que os dedos fazem. Passa os dedos entre os cabelos. Desembaraça os fios. Se concentra na cor do cartão de resposta. Na cor produzida pela caneta no mesmo. Tão vermelho, tão preta. Ouve passos no corredor Tão leves. Sente o suor nas coxas. Tão quente. De novo o cartão, sente o cheiro da tinta. Tão amargo. Colore a última resposta. A prova simplesmente passou. Nesse momento, o cheiro do som produzido pelo gosto da vitória substitui cada miligrama de adrenalina por um veneno mais forte.